quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Call Me By Your Name





É verão, anos 80 e um e icônico Fiat 147 verde adentra a morada do Professor Perlman (Michael Stuhlbarg) trazendo seu aluno eleito do ano. O jovem escritor americano chamado Oliver (Airmee Hammer) que passará algumas semanas para receber sua orientação. O local que os abriga é uma charmosa vila ao norte da Itália, residência de veraneio da família. Pai americano, mãe francesa, ambos acadêmicos. O filho Elio (Timothée Chalamet) tem 17 anos, fala fluentemente as línguas nativas do ambiente, às vezes misturando tudo em uma única tomada, abusando certeiramente dos gestos e pronúncias característicos. Ele escreve música, toca piano, violão, além ser de um ávido leitor. Sempre achei que casas assim, com pessoas tão diferentes e instruídas havia uma nobreza. Uma visão diferente de mundo e do mundo, e este filme confirma a minha teoria. Tudo isso em meio a um cenário de causar inveja ao Éden. Os jardins, as frutas do pomar ou a piscina de pedra no quintal, é onde o diretor italiano Luca Guadagnino (A Bigger Splash) se engrandece. Ele dosa sabiamente o clima sensual do “dolce far niente” com passeios incansáveis em um tênis Converse. Uma mistura de Bernardo Bertolicci com Sofia Coppola. É bonito de ver, pitoresco, delicado, contemplativo e sexual de forma até lúdica, com todas aquelas estatuas e fragmentos de nudez. Longe, muito longe de ser um filme gay cheio esteriótipos. 





Oliver tem 24 anos, é o tipo dionisíaco que parece ter saído de uma casa estudantil Macho Alpha, ganhadora dos prêmios sabedoria e beleza. Além disso, ele é confiante, rápido e voraz. Atenção para as cenas em que ele está comendo, Elio sempre aparece paralisado nesses momentos. Afinal, é extremamente sedutor ver alguém com tanta sede e vontade por algo. Durante uma festa na cidade, em que todos dançam, se divertem e se diferem ao som de: The Psychedelic Furs - Love My Way (sempre me faz querer dançar igual), uma intenção real começa incomodar. É encantador, delicado e possível. Sem causar estranheza nenhuma. Quem dera as relações héteros tivessem tanto cuidado, beijos, toques e cheiros. Isso se perdeu há algum tempo, só vejo gente cheia de limites e recalques. Poucos filmes usaram tão bem o próprio título para criar uma atmosfera perfeita e apresentar a intimidade das personagens. Aliás, uma das melhores coisas já filmadas é a cena do Pêssego. Quando Oliver quer provar literalmente que o seu desejo não tem pudores e ele adoraria degustar o fruto proibido. Elio ingênuo não entende o gesto e se desespera. Não é só de amor e sexo que trata o filme, é sobre descobrir como amar e aceitar as pessoas, qualquer uma que esteja em nosso convívio diário. Tanto, que o próprio Professor diz em uma conversa esclarecedora: 

Nós arrancamos tanto de nós mesmos para nos curarmos depressa das coisas, que ficamos esgotados perto dos 30 anos. E temos menos a oferecer toda vez que começamos algo com alguém novo. Mas se obrigar a ser insensível...assim como não sentir nada...Que desperdício!

A verdade foi dita. Abra as portas e janelas da vida, deixe que o arranhar do chão aconteça. E como diria Oliver:
Later! 

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

A Forma da Água






Encantador e sutilmente fluído este filme tem treze indicações ao Oscar. E não é por falta de motivos. O diretor Guillermo del Toro (Labirinto do Fauno) tem um poder indiscutível de nos afundar numa fantasia e nos manter com fôlego até o final. É uma experiência enriquecedora, quando fala-se de assuntos tão densos e turvos no auge da Guerra Fria: política, espionagem, racismo, assédio moral, sexualidade, entre outros tabus na década de 60. E mesmo em se tratando de tantos problemas, é brilhante como deve ser. Um verdadeiro conto de fadas, surreal! A Princesa é a órfã muda Elisa (Sally Hawkins), faxineira que só começa a trabalhar à meia-noite no laboratório. O Monstro é o agente Strickland (Michael Shannon), encarregado da fortaleza militar que aprisiona e estuda o Príncipe. Um anfíbio, literalmente o homem sapo da Amazônia capturado pelo governo dos EUA.




A trilha sonora é um personagem à parte conduzindo todos os momentos, um primor. Para alegria brasileira podemos ouvir Chica Chica Boom Chic de Carmen Miranda e Babalu, uma pena essa última não ser a versão da diva Ângela Maria. A fotografia seduz, e claro, a melhor cena acontece no apartamento que fica sobre um cinema. Lá onde tudo torna-se possível na tela, inclusive na nossa. E como manda o figurino, o narrador, amigo e vizinho Giles (Richard Jenkins) ainda nos deixa um poema: 

“Incapaz de definir a tua forma, eu o vejo ao meu redor. Tua presença preenche meu olhos e com o teu amor, acalanteia meu coração, pois tu está em todos os lugares” 



terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

A Ghost Story


Esqueça o título, A Ghost Story não é um filme da moda sobre fantasma, ele trata da grandeza do tempo para C (Casey Affleck) e M (Rooney Mara). Como vivemos e morremos. O diretor jovem David Lower (Amor fora da Lei) nos insere nas cenas não através do jogo de câmeras, mas de incômodas e intermináveis tomadas, justamente para que tenhamos a mesma sensação dos atores, do ambiente, do vazio e da dor de perder alguém. Mas, se morrer não é o fim, o que fazemos depois? Isso é o que nos prende à tela. Ficamos completamente entorpecidos e imóveis nesta dúvida. Tarefa difícil para um filme sem muitas falas. E para preencher essas lacunas, nada melhor que uma música para sintonizar a lembrança, e quase, quase reproduzir a presença. C é compositor e cria essa melodia, que depois mais parece um prelúdio. M é sua melhor e amada ouvinte. Cena MA-GIS-TRAL: 




Assim, continuamos sedentos por respostas, e elas vem, no tempo certo. É finito e libertador quando entendemos o ciclo da vida, quando nos desprendemos dos sentimentos, do material, físico e afável. Viver é constância e repetição, se não entendermos que o é necessário para seguir. M entendeu e segue apenas deixando anotações nas casas em que morou, já que mudar também é matar um pouco da gente. Na minha crença (felizmente) não há fim, somos almas eternas com novas oportunidades e histórias para criar infinitamente. 


Que a nossa evolução seja gentil! Afinal, quem gosta de recomeços quando a única certeza clichê da vida ainda é a morte?